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Pais, filhos e a Governança do diálogo –um olhar sobre empresas familiares à luz de Philippa Perry

Philippa Perry é psicoterapeuta, escritora e palestrante britânica reconhecida por sua abordagem humanista e reflexiva sobre relações familiares e bem-estar emocional. Autora de “O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido”, um best-seller internacional, Perry questiona paradigmas da parentalidade e oferece um olhar único sobre como construir conexões saudáveis entre pais e filhos. Com mais de 30 anos de prática clínica, sua obra combina insights da psicologia com narrativas acessíveis, tornando-a uma referência global na temática das relações interpessoais. Perry defende que o respeito, a autenticidade e o diálogo são os pilares para transformar os relacionamentos familiares.

 

Embora a autora não trate especificamente do universo das empresas familiares, suas reflexões sobre o diálogo e o respeito nas relações entre pais e filhos lançam luz sobre uma questão crucial nesse contexto. Nas empresas familiares, onde o vínculo familiar está intrinsecamente ligado às dinâmicas profissionais, a visão de Perry nos provoca a repensar a sucessão e a governança com base na autenticidade, no respeito mútuo e na aceitação das diferenças.

 

Este entendimento ressoa profundamente com o conceito que defendemos metodologicamente: a integração de gerações. Diferentemente do modelo tradicional de sucessão, que carrega uma ideia de substituição e ruptura, propomos uma abordagem que valoriza a coexistência, o aprendizado mútuo e a construção conjunta entre as gerações. Essa visão se alinha ao que Perry sugere sobre respeitar as particularidades dos filhos e promover relações pautadas no diálogo e na aceitação mútua.

 

Controle, autenticidade e a Governança Familiar

 

Perry alerta para os riscos de tratar os filhos como esculturas a serem moldadas. Essa visão, tão comum no âmbito familiar, encontra paralelo nas dinâmicas de sucessão em empresas familiares, onde as novas gerações frequentemente são vistas como extensões do legado dos pais, e não como indivíduos com identidade própria. O resultado é um ciclo de frustrações mútuas, alimentado por expectativas irreais e pela ausência de diálogo honesto.

 

A autora defende que a busca por perfeição e o desejo de evitar sofrimento aos filhos podem criar barreiras invisíveis nas relações familiares. Esse mesmo fenômeno é amplificado no ambiente das empresas familiares, onde líderes muitas vezes tentam impor um modelo ideal de sucessão, ignorando as características e aspirações dos sucessores. O controle sufoca, enquanto a autenticidade liberta. Para Perry, o cultivo de conexões reais requer que pais e filhos sejam vulneráveis, honestos e imperfeitos uns com os outros, um princípio que também se aplica à governança familiar.

 

Na prática, vemos que o conceito de integração de gerações oferece uma alternativa mais saudável a esse modelo de controle. Em vez de esperar que os filhos se adequem ao papel previamente definido, a integração promove uma convivência harmoniosa e colaborativa, onde o diálogo contínuo permite que diferentes gerações contribuam com suas perspectivas únicas para o futuro da empresa.

 

Respeito não se impõe

 

Perry enfatiza que os filhos não são projetos a serem concluídos, mas seres humanos a serem respeitados. Da mesma forma, na governança de uma empresa familiar, o respeito não se constrói por imposição, mas por reconhecimento mútuo. Fundadores que enxergam os filhos como futuros “donos naturais” da empresa frequentemente negligenciam o papel do diálogo e da construção conjunta de um propósito.

 

Na prática, vi casos em que a sucessão foi tratada como um rito obrigatório, ignorando o desejo — ou a falta dele — dos filhos de assumir a empresa. Em contrapartida, quando os pais reconhecem as aspirações individuais dos filhos e promovem discussões abertas sobre o futuro, criam não apenas uma governança eficaz, mas também relações familiares mais saudáveis. Aqui, o conceito de integração de gerações se torna essencial: ao invés de substituir, as gerações coexistem e aprendem umas com as outras, promovendo respeito e colaboração.

 

Gostar, além de amar

 

Philippa Perry faz uma distinção crucial entre amar os filhos e gostar deles. Amar é natural, mas gostar requer esforço, atenção e conexão genuína. Essa ideia ressoa fortemente no contexto das empresas familiares. Muitos pais afirmam amar seus filhos, mas poucos se esforçam para conhecê-los profundamente como pessoas. No ambiente empresarial, isso pode gerar uma desconexão entre a visão do fundador e as motivações da próxima geração.

 

Por vezes, os pais enxergam a empresa como uma herança obrigatória e os filhos como herdeiros naturais. Essa abordagem pode minar a relação e levar os filhos a se sentirem meros instrumentos do legado dos pais. Gostar de um filho, nesse contexto, é ouvi-lo, respeitar suas decisões e, principalmente, permitir que ele construa sua própria trajetória, dentro ou fora do negócio. A ideia de integração de gerações reforça esse ponto ao incentivar a participação ativa e respeitosa de cada indivíduo, valorizando tanto a história da empresa quanto os sonhos e ambições dos sucessores.

 

A importância de baixar as expectativas

 

“Baixe as expectativas”, diz Perry. Embora isso pareça contraditório no mundo corporativo, onde o sucesso é frequentemente associado à superação de metas ambiciosas, no âmbito das empresas familiares essa ideia é libertadora. Abaixar as expectativas significa abandonar a fantasia da sucessão perfeita e aceitar a complexidade inerente às relações familiares.

 

Tenho visto como as expectativas irreais podem corroer a relação entre gerações. Pais que esperam que seus filhos sejam cópias melhoradas de si mesmos frequentemente encontram resistência, enquanto aqueles que aceitam as diferenças abrem caminho para um diálogo mais honesto e colaborativo. Essa abordagem não significa renunciar à excelência, mas redefinir o que significa sucesso: não uma continuidade forçada, mas uma relação baseada em confiança mútua e respeito.

 

Conclusão: um chamado ao diálogo e à integração

 

As reflexões de Philippa Perry lançam luz sobre a dinâmica entre pais e filhos, convidando-nos a reavaliar nossas relações à luz da autenticidade e do respeito. Nas empresas familiares, essas ideias são especialmente relevantes, pois o legado de uma empresa não é apenas medido por sua longevidade, mas também pela qualidade das relações que a sustentam.

 

O conceito de integração de gerações que propomos metodologicamente se alinha perfeitamente a essa visão. Ele reconhece que filhos não são objetos, assim como sucessores não são apenas peças em um tabuleiro de governança. São indivíduos com sonhos, medos e ambições próprios. Reconhecer isso é o primeiro passo para construir empresas sustentáveis e relações familiares mais fortes.

 

Como pais e líderes, nosso papel não é moldar o futuro dos filhos, mas criar um espaço onde eles possam explorar, crescer e, acima de tudo, ser verdadeiramente eles mesmos. A integração é o elo que conecta gerações de maneira respeitosa e eficaz, pavimentando o caminho para uma governança familiar mais equilibrada e significativa.

 

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CR 🦉✨

Artigo original: Leia aqui.